quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Justiça Gaúcha em Decisão inédita reconhece paternidade biológica tardia sem anular paternidade socioafetiva

Nesta manhã (17/9), a 8ª Câmara Cível do TJRS, em decisão inédita, afirmou ser possível declarar judicialmente a paternidade biológica de alguém, sem que haja pedido de anulação do atual registro decorrente da paternidade socioafetiva (dos adotantes). O Colegiado determinou a averbação da paternidade biológica em Registro Civil de homem, 40 anos. Não foi autorizada a alteração do nome registral e nem concedidos direitos vinculados ao parentesco, como herança do pai biológico.


Os magistrados entenderam que a medida não viola o ordenamento jurídico, informando haver também concordância das partes e inexistência de prejuízo ou discordância de ninguém (confira relatos abaixo).


Pai e filho, autores da ação de investigação de paternidade, interpuseram recurso de apelação ao TJ contra sentença de improcedência. Afirmaram querer a averbação da paternidade biológica e que não negam a paternidade socioafetiva (registral). Os pais adotivos também já faleceram e não deixaram herança.


Paternidades concomitantes
Conforme o relator, Desembargador Rui Portanova, a Justiça de primeira instância entendeu que a ação objetiva o recebimento de herança pelo filho. E, como a paternidade socioafetiva é preponderante, a sentença de 1º Grau declarou ser inviável reconhecer o vínculo biológico.


Para o Desembargador, está correto valorar mais a paternidade decorrente da socioafetividade dos pais adotivos e registrais (adoção à brasileira). No entanto, disse, é possível reconhecer a paternidade biológica em concomitância com a socioafetiva (registral). “Não há justificativa para impedir a livre investigação da paternidade pelo fato de alguém ter sido registrado como filho dos pais socioafetivos.”


Salientou que foi comprovada a paternidade biológica após 40 anos do nascimento do filho e inexiste interesse, de ambos, em anular ou retificar o atual registro de nascimento. “Certa a paternidade biológica, o seu reconhecimento, sem a concessão dos demais direitos decorrentes do vínculo parental e inexistindo prejuízo e resistência de quem quer que seja, não viola o ordenamento jurídico.”


Esclareceu, ainda, que o pai biológico pode contemplar o filho com seus bens, valendo-se de instrumento adequado previsto no regramento jurídico.


Depoimentos
O filho contou que conviveu até os 18 anos na casa dos pais sociafetivos (adotivos) porque casou-se logo após o falecimento de sua mãe. Manteve relacionamento com o pai adotivo até a morte dele, quando o apelante estava com 39 anos. Esclareceu que os pais adotivos não deixaram bens e nada herdou. Ressaltou que o reconhecimento da paternidade foi iniciativa do pai biológico. Declarou que mantém com ele, relacionamento bem próximo desde 2007.


Já o pai biológico afirmou que tinha conhecimento da paternidade desde o nascimento do filho, porém não se aproximou em razão de a mãe biológica estar casada na época da concepção. Revelou que sempre procurou saber do paradeiro do filho e ficou sabendo da adoção por meio de parentes dos pais registrais. Disse querer deixar o patrimônio que possui para ele e outro filho.


Direito à verdade biológica
Na avaliação do Desembargador Rui Portanova, negar o reconhecimento da verdade biológica chega a ser uma forma de restrição dos direitos da personalidade e de identidade da pessoa.


Como é certa a paternidade biológica, frisou, é possível o seu reconhecimento judicial, sem a concessão dos direitos vinculados ao parentesco. “Assim, penso não haver obstáculo em preservar a verdadeira paternidade – a socioafetiva – e reconhecer a paternidade biológica com a devida averbação no registro.”


Votaram de acordo com o relator, os Desembargadores Claudir Fidélis Faccenda e José Ataídes Siqueira Trindade.


Fonte: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
NOTA DO BLOG:
Em que pese a própria decisão mencionar que não foi autorizada do nome registral e, tampouco, concedido direitos vinculados ao parentesco, especialmente no que tange ao direito sucessório, tal medida é, no mínimo, controvertida. Se, de um lado, tal disposição pode ferir o ordenamento jurídico vigente. De outro, a averbação do nome do pai biológico, diga-se conjuntamente, com o nome dos pais adotivos (mesmo já falecidos) cria, também, uma série de restrições jurídicas, como por exemplo, os impedimentos para o casamento, fato que pede um estudo mais aprofundado.


Ressalta-se, que não se trata de negar "a verdade biológica", pois está foi comprovada através de exames, o que se adverte, é a possibilidde de lacunas que uma decisão deste porte pode proporcionar. Todavia, não pode o Direito ficar inerte frente a demanda social que lhe bate a porta, a procura de uma solução justa e equilibrada.

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