sexta-feira, 25 de março de 2011

HOSPITAL DE CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE CONDENADO POR DIAGNÓSTICO TARDIO DE CÂNCER

O Hospital de Clínicas de Porto Alegre (RS) foi condenado a reparar dano moral causado à filha de um paciente que faleceu após diagnóstico tardio de câncer. A sentença é do juiz Francisco Donizete Gomes, da 2ª Vara Federal da Capital gaúcha, e está sujeita a recurso.

O paciente buscou atendimento junto ao hospital várias vezes, a partir de 26 de setembro de 2003, sempre sob o diagnóstico de sofrer de cistite glandular. Apenas em 28 de junho de 2005, após exame de perfil imuno-histoquímico, foi constatada neoplasia maligna da próstata, que o vitimou fatalmente. Segundo o nosocômio, porém, "todo tratamento possível" teria sido dispensado à vitima, cuja saúde já estaria debilitada por tabagismo e etilismo.

Realizada perícia técnica, o perito do Juízo teve sua atuação contestada pela autora, porque sua especialização foi feita no próprio Hospital de Clínicas. A alegação, porém, foi rechaçada pelo magistrado, porque “é natural que o estudo especializado concentre-se em determinadas instituições médicas” e “abrir mão disso significa abrir mão de qualidade da perícia.”

A prova técnica, segundo o julgador, foi “muito bem feita, bem escrita, objetiva e clara, fundamentada nos documentos trazidos aos autos e em considerações técnicas sobre os diagnósticos utilizados, nada indicando desvio de conduta por parte do profissional”.

Ao analisar a responsabilidade hospitalar, o juiz Gomes explicou que o Hospital de Clínicas é pessoa jurídica de direito público e responde objetivamente por danos, “ainda mais em se tratando de prestação estatal de serviço público de saúde, no âmbito do SUS.”

Por outro lado, esclareceu que a responsabilidade submete-se ao regime imposto aos atos médicos em geral: a obrigação é de meio, “de empregar técnica e métodos adequados para o sucesso do tratamento.”

Conforme revela a sentença, o paciente submeteu-se a um périplo de consultas, falhas de diagnóstico e omissão do hospital em alertar sobre a grave doença.

A primeira consulta foi feita 05 de setembro de 2003, "com histórico de urgência para urinar, micção freqüente e ardência miccional há um ano”, “sangramento urinário quatro meses antes” e “dor na bexiga". Cinco dias depois, foi realizada uma cistoscopia "que demonstrou próstata obstrutiva com pseudovertículo da bexiga" e " área avermelhada na bexiga que foi biopsiada".

Na consulta seguinte, em 26 de setembro de 2003, estando obstruída a próstata, o paciente recebeu medicação e teve retorno marcado para 16 de janeiro de 2004, consulta na qual referiu não ter melhorado. Só então foi feito o exame de toque retal, que mostrou “assimetria e aumento da consistência de um dos lobos, alterações estas suspeitas de malignidade.”

O exame de PSA indicou que grande alteração, confirmando o diagnóstico de câncer de próstata. Uma biópsia feita somente em 23.06.2004 confirmou a doença, mas, segundo o perito, o exame "marcador de PSA foi realizado em 02 de abril 2004 e praticamente confirmou o diagnóstico”.

Desse modo, foram quatro meses entre a segunda e a terceira consultas, “demora que não se afigura adequada, diante da gravidade do quadro”, segundo o magistrado, e para a qual o Hospital de Clínicas não apresentou qualquer justificativa médica.

E, mesmo já diante da suspeita de câncer, a biópsia foi feita após longos cinco meses, “fato para o qual o réu, novamente, não deu qualquer justificativa médica”, anotou o julgador.

Um outro fato, porém, chamou a atenção do juiz federal: a omissão do Hospital de Clínicas em informar o paciente de que era portador da grave doença.

No dia 17 de agosto de 2004, o enfermo retornou ao hospital para saber o resultado da biópsia, mas, diante da demora no atendimento (consulta marcada para 17h30min, mas não realizada até as 18h15min), ele não quis esperar e foi embora, voltando ao Clínicas sete meses depois, provavelmente sem saber do diagnóstico por causa da não realização da consulta, retardando o tratamento.

No entendimento sentencial, o Hospital de Clínicas, “diante de tão grave diagnóstico, não poderia ter simplesmente esperado que o paciente comparecesse novamente. É possível que, por ignorância ou outro motivo, o paciente não tivesse a noção de que deveria comparecer ao hospital para saber seu diagnóstico. Cabia ao hospital, que já estava na posse do diagnóstico de câncer e sabia da gravidade da situação, entrar em contato com o paciente para lhe informar da situação. Contudo, não consta dos autos - e sequer foi alegado pela parte ré - que tenha sido realizada qualquer tentativa de contatar o pai da autora.”

Por isso, pela sucessão de atos equivocados, mesmo que as decisões médicas tivessem sido corretas, o início do tratamento sofreu grande demora atribuída ao estabelecimento hospitalar, que demorou para chegar a um diagnóstico e, quando o obteve, não procurou o paciente para cientificá-lo da doença.

Pelo que evidencia a sentença, a chance de cura era de 7 a 18%. “Mesmo que as chances de cura fossem pequenas, não se poderia negar, ao paciente, a possibilidade de tentar aproveitá-las”, arrematou o julgador, que impôs ao Hospital de Clínicas a obrigação de reparar dano moral em R$ 40 mil, além de indenizar dano material de R$ 743,43.

Os honorários advocatícios foram arbitrados em 5% sobre o valor da condenação, considerada a sucumbência recíproca. Atua em nome da autora a advogada Priscila Fettermann Maciel. (Proc. n. 2009.71.00.004420-5/RS)

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